Por que sê-lo, se sendo quem somos nem entender nos entendemos? Eu estou indeciso quanto a quantos gumes devo usar para me cortar mais profundamente. Não sei se lavro de meu peito um coração dourado. Ou se busco um ouro quente e pulsado chamando sangue. Nem sei se posso, assim, considerar meu “hemato-ser”, nem sei se sou. Eu queria que nesta dança descabida não tentassem fazer essa roupa me caber. Queria poder dançar nu pelo salão, enquanto o tango batesse tecnamente. Queria pegar-lhos cabelos e cheira-los numa volúpia insaciável. Queria poder beijá-la toda. Sentir seu corpo e estremecer ao simples desfacelamento seu. Jogar-te contra mim numa infusão de desejos meus. Beijar sua nuca. Rodopiá-la por todo o salão. Beijar sua boca. Sussurrar em seu ouvido palavras quentes. Contar-te segredos de liquidificador. Sentir seu arrepio ao mero encostar de minha língua em sua orelha. Estremecer com os seus estremecimentos. Descer a língua para seu nariz. Sentir sua respiração. Apertar-me contra ti. Sentir-te ofegando. Despi-la num turbilhão de interesses. Possuir. Apertar seu punho e atirar-te contra os transeuntes. Pegar-te no colo e demonstrar meu troféu.
Mas nem sei se sei dançar. Quanto menos se conseguiria te suportar. Suportar o peso frágil, insustentável, de amar outra vez. Mas eu posso cobiçar e te cobiço. E imagino o quanto teríamos feito, se a dança não tivesse parado por ali. Foi bom ter parado, afinal, estávamos prestes a nos ceder. Eu lhe daria um coração de ouro. Em troca teria seu sangue pulsado, expulsado. Teria assinado contigo um contrato. E o selaríamos com desejos irrealizáveis dali em diante.
Agradeço o seu desempenho em aturar um alcoólatra charlatão. Um viciado em solidão. E um demente em exaustão. Queria poder ter te mostrado outros adjetivos meus que também eram acompanhados de outros ãos. Ficamos de gatinha, e engatinhamos para fora de nós mesmos. Eu pensava que era assim. Enquanto eu ensaiava meus primeiros engatinhares para fora, você já tirava suas rodinhas de treino. Quando vi a saída entendi que você já tinha ido há muito. E então vi seu lastro, aerodinamicamente indo embora. Eu, ao invés de sair, escorreguei e caí. Fundo. Numa relação unilateral de mim comigo mesmo. Amei cada centímetro do meu corpo. Desejei-me mais do que jamais seria capaz de ser desejado. Apaixonei-me por mim mesmo. Saía comigo mundo a fora. Entendia a vida. Curtia. Viajei. Fui. Mas aconteceu novamente.
Quando eu era o que era, você apareceu novamente. Pediu muitos perdões, chorou sua própria desilusão. E me clamou clemência. Mas eu fora quem era. E você não entendeu nada. Achou que te perdoava. Que meu beijo demonstrava um ardor de meu peito. Sofrestes mais que eu? Não sei. Mas agora sinto pena de ti. Não vou voltar a te amar nunca mais, perdão. Nem sei se voltarei a amar novamente. Descobri que eu nunca fora quem eu achava ser. Descobri que meu nome nunca fora o que eu achava que era. Descobri que a mais linda imagem que eu precisaria admirar estava tão próxima e tão perto, que minha hipermetropia me incapacitava de enxergar. Só fui entender isso hoje, agora, quando consegui refletir essa imagem no fundo de um âmago. Mais fundo do que ele próprio. A imagem é linda. Precisei escrever tudo isso para te advertir: cuidado, você é feito o que Platão descreveu em seu mito da caverna. Você é o efêmero idiota que sai da caverna e volta para contar o que vistes lá fora, mas cuidado, você abriu-me os olhos para depois fechar os seus próprios. Abra-os novamente. E entenda o que eu entendi. Não se deixe turvar por sentimentos que nem ao menos são seus. Termino essa carta aqui. E quando você a ler provavelmente já terei saltado, pois a imagem é linda. A imagem é minha. E a busca por ela é um se perder em mim mesmo que não tem fim.
Mas nem sei se sei dançar. Quanto menos se conseguiria te suportar. Suportar o peso frágil, insustentável, de amar outra vez. Mas eu posso cobiçar e te cobiço. E imagino o quanto teríamos feito, se a dança não tivesse parado por ali. Foi bom ter parado, afinal, estávamos prestes a nos ceder. Eu lhe daria um coração de ouro. Em troca teria seu sangue pulsado, expulsado. Teria assinado contigo um contrato. E o selaríamos com desejos irrealizáveis dali em diante.
Agradeço o seu desempenho em aturar um alcoólatra charlatão. Um viciado em solidão. E um demente em exaustão. Queria poder ter te mostrado outros adjetivos meus que também eram acompanhados de outros ãos. Ficamos de gatinha, e engatinhamos para fora de nós mesmos. Eu pensava que era assim. Enquanto eu ensaiava meus primeiros engatinhares para fora, você já tirava suas rodinhas de treino. Quando vi a saída entendi que você já tinha ido há muito. E então vi seu lastro, aerodinamicamente indo embora. Eu, ao invés de sair, escorreguei e caí. Fundo. Numa relação unilateral de mim comigo mesmo. Amei cada centímetro do meu corpo. Desejei-me mais do que jamais seria capaz de ser desejado. Apaixonei-me por mim mesmo. Saía comigo mundo a fora. Entendia a vida. Curtia. Viajei. Fui. Mas aconteceu novamente.
Quando eu era o que era, você apareceu novamente. Pediu muitos perdões, chorou sua própria desilusão. E me clamou clemência. Mas eu fora quem era. E você não entendeu nada. Achou que te perdoava. Que meu beijo demonstrava um ardor de meu peito. Sofrestes mais que eu? Não sei. Mas agora sinto pena de ti. Não vou voltar a te amar nunca mais, perdão. Nem sei se voltarei a amar novamente. Descobri que eu nunca fora quem eu achava ser. Descobri que meu nome nunca fora o que eu achava que era. Descobri que a mais linda imagem que eu precisaria admirar estava tão próxima e tão perto, que minha hipermetropia me incapacitava de enxergar. Só fui entender isso hoje, agora, quando consegui refletir essa imagem no fundo de um âmago. Mais fundo do que ele próprio. A imagem é linda. Precisei escrever tudo isso para te advertir: cuidado, você é feito o que Platão descreveu em seu mito da caverna. Você é o efêmero idiota que sai da caverna e volta para contar o que vistes lá fora, mas cuidado, você abriu-me os olhos para depois fechar os seus próprios. Abra-os novamente. E entenda o que eu entendi. Não se deixe turvar por sentimentos que nem ao menos são seus. Termino essa carta aqui. E quando você a ler provavelmente já terei saltado, pois a imagem é linda. A imagem é minha. E a busca por ela é um se perder em mim mesmo que não tem fim.