27 fevereiro 2009

Entuição

Entuição
Entua comigo as duas coisas seguintes
E pense agora na sua vida primária
Houve sexo?
Houve amor?
Pense no tarot que a cigana te leu
Houve sorte?
Houve desejo?
Sonhe com a cigana nua em seu leito
Estenda-lhe a mão para que seja lambida

As ciganas servem para revelar aquilo que queremos
Beije sua boca e seus olhos velvéticos
Imagine um clima transloucado e doido
Ela é cigana.... você passarinho
Acenda o pavio do estopim que estoura
Pense na sua vida passada em branco
Cante com a boca o que não sou do corpo
AME
AME
GEMA
Pense no ovo que você comeu e não virou passarinho
Pense no ovo que foi você e que não foi comido
Houve passarinho?
Pense nas noites em escuro
Nas noites tardias
Nas noites das gentes
Houve cigana?

Será que o ano novo dá adeus pras pessoas velhas?
Será que no ano que vem eu serei um novo eu mais velho?
Será?
Será?

Cala a bouca... pra que tanta coisa
a sorte é hj
O sexo é hj
O beijo é agora...
Adeus...
Adeus...

01 fevereiro 2009

Wilhelm Stekel

Começamos a andar pelas ruas frias de Nova Iorque, frio, muito frio. Para quem está acostumado com 20 graus no inverno; menos 20 é uma variação enorme, mas estávamos bem, digo mais pelo Holden do que por mim. Inveja. Ele todo garboso, com seu casaco de pele de camelo, cachecol, luvas da mesma pele que o casaco, sapatos finos. Alinhado. O coitado aqui se conformava com um moletom. Mas o andar me esquenta, e o sangue latino ainda mais. Paramos na Quinta com a Broadway, ele falou que o barzinho era bom, entramos, ele tinha dezesseis e eu quase 21. Pedi um Daiquiri, ele ficava puto, eu acertava nossos gostos como se acerta relógio atrasado. A conversa era boa, ele me achava interessante, o que era gozadíssimo pra mim. Pra quem sempre achava defeito nos outros e, de uma hora pra outra, resolveu me acompanhar contanto que lhe contasse minhas histórias, era de ficar fascinado. Ele me contava como quase tinha perdido a virgindade várias vezes, mas que no final das contas, ainda era virgem. Eu lhe contava meus feitos juvenis e o assombrava, contei-lhe de um sexo a quatro e ele me chamava de pervertido. Todavia, uma coisa nos unia, sexo... tinha que se ter amor, paixão ou éramos verdadeiros motivos de chacota: broxas.
Andar pela Quinta Avenida sempre é algo de especial, não importa quando. Imagine-se andando pela Paulista, é quase o mesmo, ponderando-se as dimensões do glamour. Mas tudo bem. Eu me sentia feliz como não me sentia havia muito tempo. Nos sentíamos ligados, era como se nos conhecêssemos há muito. Ele era meu irmão que nunca tive, eu me sentia seu irmão morto. Do muito que eu ouvia, muito mais ainda eu lhe censurava, ficava fulo da vida comigo. Me chamava de velho bastardo. Subiu em cima da mesa e em um pulo resolveu me dar uma gravata. Não entendia muito bem o que lhe causava tanto espasmos em serões. Mas eu sequer estava lhe julgando, só falava que desperdiçava a vida daquela maneira. Achava que todos éramos escrotos, e não afrouxava o braço do meu pescoço. Que seja. Que ficasse como mais lhe apetecesse. Acenei para o garçom, perguntou se queríamos mais um Daiquiri, sussurrei no ouvido do Holden que se ele não me soltasse, diria que havia um menor de idade na minha mesa e que sua noite terminaria ali, resolveu me soltar. Pedi-lhe seu Daiquiri, mas pra mim, já estava na hora do Whisky, ou melhor, já passava da hora. Mas vai saber, nunca é tarde quando se tem uma vida inteira.
Eu reclamava de minha mediocridade, ele reclamava da mediocridade dos outros, perguntava-me alto sobre mais casos sexuais em minha vida, não fica triste em lhe responder. Contava-lhe minha vida desgraçada e o que ele na minha vida começava a significar. Ele se mordia todo, falava que eu era um covarde e que o estava deixando deprimido. Eu lhe ria um sorriso torto, ele se contorcia todo em risos. Ele falava que minha vida era fantástica, eu dizia que ela me deprimia por ser como era. Ele me tecia os planos de morar numa cabana, eu lhe olhava de esgueio e dizia que não viveria sem meu chuveiro máster forte e quente. Começávamos a ver que éramos os iguais ao avesso. Queríamos o mesmo fim, mas cada qual traçava um caminho diferente. O meu era uma esteira rolante, o dele um verdadeiro lamaçal cheio de pedras e morros. “O legal da vida é sofrer pra conseguir as coisas, trabalhar por elas, lutar sempre.” Isso era o que me dizia, eu ria e valia meu deus. Ele achava graça em tanto que eu mencionava deus e se borrava todo de tanto rir. Eu achava graça no seu ódio pelas pessoas e em estar ali comigo. Ele falava que ficar só o deprimia. E não é que éramos iguais? Gostávamos da solidão permeada por gentes. Não lembro de muita coisa daquela noite, lembro da conta chegando em certo ponto, e nenhum de nós havíamos pedido. Lembro que constava sete Daiquiris e treze doses se Scotch. Não mais do que isso.
Partimos e resolvemos dar uma volta pelo Central Park, segundo o Holden, a noite no parque era ainda mais maravilhosa do que o dia. Ele me perguntava, parecia que eu devia ser a única pessoa a poder saber, para onde deveriam ir os patos que ficavam no lago que víamos em frente, quando a água congelava. Eu disse que não sabia, e que lembrasse que de onde eu vinha dificilmente a água congelava. Ele ria-se ao ver um “nativo” em sua frente, era assim que chamava. Mas eu falei que poderia fazer minhas conjecturas. Ele disse que as fizesse então. Perguntei-lhe se alguma vez havia visto alguma pessoa no parque cuidando dos patos, disse que nunca tinha visto, perguntei se ele já tinha assistido ao Pica-Pau, disse que sim. Conclusão: os patos do lago realmente migram. Kkkkkkkkkkk... nossos risos faziam parecer que a água do lago tremia. Sentamo-nos na grama e ficamos discutindo merda. Era bom encontrar alguém que gostava de conversa séria sem pedantismo e afetação. A conversa estava a tal ponto que chegamos a mesma conclusão, não éramos irmãos, não éramos namorados, sequer alguma coisa naquele momento. Éramos a encarnação um do outro, éramos a mesma pessoa. Ríamos. Começamos a nos dar conselhos. A falar de futuro e ele me veio com a metáfora que nos resumíamos. Queríamos ser alguém que ficava na beira de um abismo em frente a um imenso campo de centeio lotado de crianças a correr e brincar. Queríamos ficar na beira do abismo pra evitar que as pessoas caíssem nele. Queríamos ser apanhadores no campo de centeio. Salvar vidas destinadas à queda. Não éramos de todo mal. O perigo de ficar na beira de um abismo tentando salvar pessoas, é que a nossa própria queda as vezes se torna inevitável, e parecia que estávamos quase caindo. Então ele me disse a frase que mais me marcou até hoje, falou que era a frase de um psiquiatra, disse que diria a frase e iria embora, que já era tarde e meu novo tutor já estava chegando, arregalei-lhes os olhos e pedi que não fosse, ele disse que já havíamos nos contado muitas histórias e que o mal de contar é que sempre temos saudades das personagens no desfecho e que ele já estava saudoso demais de muita gente e queria as encontrar. A frase era a seguinte: “A característica do homem imaturo é aspirar a morrer nobremente por uma causa, enquanto que a característica do homem maduro é querer viver humildemente por uma causa.” (Wilhelm Stekel)
Disse e partiu e eu fiquei ali, sozinho, em meio ao Central Park sem saber o que fazer. A lua já desaparecia e levava com ela meus olhos abertos. Dormi. Quando acordei ouvia uma língua gutural pra caramba, onde será que eu estava? Werther fez as apresentações, mais uma vez eu me sentia em casa.