30 janeiro 2009

Eu tenho mais de vinte anos.


Meus vinte e um anos chegam cheirando a náusea, embalados por um jazz candente de botequim norte-americano nos quais nunca estive, menos ainda quis estar. Minha camisa tem um cheiro de perfume barato que não é meu, também não sei de quem é. Talvez de algum corpo enfadonho no qual me perdi. Meus vinte e um anos cheiram a bolor, os sonhos que nunca foram meus, realizei, agora é hora de uma licença Premium, muitos bons serviços prestados, e voltar a sugar dos outros sonhos irrealizados, para que os realizando, sinta-me mais que o outro. Dos fetiches que realizei, muitos nem me pertenciam, mas os gozei. Aqueles que não realizei talvez tenha sido por falta de vontade, ou por não me atraírem nem um pouco.
Saio de cena novamente, como sempre fui, mero expectador. Pra voltando aos meus doze anos, colher de folhas amareladas os prazeres que nunca esperei serem meus. Aos 15 comecei a me inserir no teatro, aos 20 sou diretor. Vou voltar a assistir às peças dos outros. Voltar a me colocar em detrimento de mim mesmo. Meus vinte e um anos se parecem com um desvario de drogado.
Eu me perdi em diversos corpos que sequer me pertenciam, ainda bem que foi assim, a sensação de pertencimento não me apetece, e mais do que não me apetecer, soa-me feito teoria matemática em que números irreais abarcam por fora os reais. Esse gosto amargo que eu sinto agora na minha boca é a saliva de alguém que se esqueceu de evaporar. Levo no meu corpo, como deveria, e é de direito, a marca de vários quilômetros rodados. Na memória, entretanto, não levo nada, está livre e leve como a falta de história que um recém nascido tem.
Não vou lembrar-me de nada, parece que agora sim eu acordo de verdade, saído de uma bebedeira, para acordar com uma amnésia alcoólica regada a muita ressaca. Dor de cabeça brava. Se for pra me lembrar de tudo que fiz há 4/6 anos atrás, mesmo que eu não o queira fazer, vai ser através do que me contarem os outros. Vai ser lendo nos corpos que já possuí minha história neles. Mas é o tipo de romance que não me agrada, feito livro de banca de jornal, romances da faxina. Sabrina, Verônica, Bovary, Mathieu, Werther. Amores transloucados que só nos servem para dar idéias. No meu caso, a leitura dos corpos, que fulgazmente já foram meus, só serviria pra me fazer não querer mais ter idéias.
Minha meia vida passada termina com um ponto de exclamação bem bizarro, os 16 futuros devem terminar feito clichê, reticências ou interrogação, não pressinto muito bem esse futuro ainda. Sei que será clichê. Amarei e terei medo de amar, brocharei e serei motivo de chacota para tantos quantos me gabei de uma grande atividade sexual. Meus amigos caçoarão da minha falta de movimento, começarei a virar ameba, completamente assexuado, com o mínimo possível de fluxo intelectivo, ausente mesmo. Reprodução por biparidade, através de textos estéreis. Morrerei triste com um copo de whisky na mão, um cigarro não fumado, mas inteiramente queimado, no cinzeiro. É incrível como, nem mesmo com visão tão drástica assim, meu coração consegue sentir-se mal. Essa ânsia que está presa na garganta, refluxo, vontade de vomitar sem conseguir por pra fora nada, é apenas a tristeza de saber que mais da metade da minha vida já foi-se embora.
O que me chateia, e muito, é que fujo da regra dos que vivem pouco e escrevem. Não tem copo de whisky aqui do meu lado, não tem cigarro acesso pra queimar o colchão e me matar flambado. Não tem carros em alta velocidade, não tem drogas pesadas, não tem nada. Essa é a ânsia. É a falta que sinto de não ter mais nada. O dinheiro míngua feito nordestino na seca, todavia, bebo muito mais álcool do que eles são capazes de fazer com água. O que consumo seria capaz de me montar uma pequena família feliz de indigentes. Um filho com o nariz escorrendo, fimose pra se operar, uma filha esperando pra me trazer um neto, uma esposa com candidíase, catarata e completamente frígida. Dando-lhes dinheiro contado, pra que na hora da chepa eles tenham algum resto sujo para a fome matar. Não, nem isso eu tenho, talvez seria feliz assim, ou não.
Eu sou filho de meu pai e de minha mãe. E faço jus ao título que carrego: Filho. Recebo por mês o que muitos da minha idade não conseguem suando. Estudei menos do que muitos que não conseguiram estar onde estou. Vivo menos do que muito homossexual que conheço e pelos quais nunca me apaixonei. Eu sou filhinho. Minhas preocupações são as tristezas hiperbólicas que me cismo de ter. Namorei menos do que os anti-sociais, e transei menos do que os crentes. Talvez eu seja uma encarnação edipiana sem conotação sexual, nunca sonhei com minha mãe. Talvez eu seja a Eletra que me aparece em sonhos tentando despertar em mim meu lado lésbico que tanto gosto. Talvez eu nem ao menos seja nada. A única certeza que tenho quem me informa é minha certidão de nascimento. Por ouvir falar nenhum conhecimento é certo. Mas eu tenho uma intuição intelectual de que seja verdade. Eu tenho mais de vinte anos.

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