12 janeiro 2009


Uti Possidetis

Se um beijo fere um coração dilacerado, um aperto bem dado destrói uma vida. Seguindo seu caminho desalumbrado ele seguia rente ao fio da navalha chamada vida. Os passos que pareciam bem dados na verdade eram esgueiramentos sossobrados. Respirava o ar da minha boca e me beijava com a língua de lamber. Sussurros frios e acalorados que nada me diziam, ou ao menos queriam dizer. Apertou me forte e prometeu ficar comigo, queimei a garganta mas soltei um eu te amo, e no momento era verdade, parecia que o amava. Não sabia entender o que se passava, a boca beijava um ente enquanto a cabeça pensava num ser. Entes primitivos da minha infância pairavam por sobre o ambiente calmo, desassossegado? Queria braços de abraçar, bocas de beijar e coração de amar. Tive um corpo de fazer sexo, uma voz de falar maldades, e uma língua de sorver aos borbotões, em goles ritmados, um copo de whisky quente. Pedi-lhe que se apaixonasse porque o platonismo de nossos desejos seria mais quente que o verdadeiro amor que não teríamos se nos tocássemos. Eu queria o colo de alguém que sabia que não poderia ter. E o não ter seria o mote principal para que eu verdadeiramente amasse. Queria amar. Queria amar estranhamente um estranho que nunca vi, mas tanto faz, contanto que fosse um novo amor prum ano novo que já me parece mais velho e requentado que a comida do natal que como hoje. Respiro e paro pra pensar. Pensar nos passos que escuto do outro lado do meu coração. Queria uma morte fria, caída, quedar-me de uma falésia em braços fugidios que me deixassem estraçalhar-me lá em baixo. Fiquei bem perto da beirada do meu próprio precipício. Peguei uma latinha de cerveja, amassei-lhe o meio, coloquei duas pedrinhas de meu diamante preferido, com meu zippo acendia por baixo, com a boca aspirava o ar amargo que diamanticamente me era dado. Fumava em jubilo o gosto amargo seu. A amargura de ter me deixado cair mais fundo que a fundura. O inferno é menos melancólico e quente que a sensação da senzala em que estou, açoitado por braços mais fracos que os meus, com um chicote que nem ao menos faz parte de um dress code. Mas tanto faz, gosto de apanhar e me deixo levar pelo açoitamento, quero me sentir um suíno depravado no abate, que guincha de dor quando lhe perfuram o coração com uma faca mais suja que bueiro de padaria de quinta. Quando perfurar meu coração quero esguichar pela boca o ópio do narguille de ontem. Quero soltar pelo nariz os quilos de pó branco, que a Liliane já não me serve pra nada. Quero soprar pra fora de mim as sementes de maconha que eu fumei.
Eu pulo do precipício que fui eu mesmo quem cavou. Criei com um sopro uma falésia em forma de garganta que eu senpre gostei de lamber. Uma nuca em forma de torso que acabava em abdominais prazeres mundanos. Sopro pra fora de você o beijo que eu queria me dar. Se te beijo não é porque te amo, é porque não tenho como me beijar. E eu queria, queria ser capaz de me beijar todo, tirar minha própria roupa e me ver despido em mim, eu mesmo em cima de mim mesmo numa dança em que candente eu soubesse apenas que não queria saber mais nada. Pedi o nonsense e ele se apoderou de mim, o que fazer agora, que quero de volta a razão, e ela não mais me quer? Queria amar aquela feminina que me largou em mim mesmo preso. Quero ser-me eu. Quero me ter de novo e de novo again. Não é amor, é vontade de ter a posse, e reclamar, através da uti possidetis, algo que é meu por direito. Um corpo que trabalhei nele. Que arei e plantei nele minhas sementes, meus lábios, meu corpo nu. Mas meu direito me é negado, não sou pessoa jurídica o suficiente pra reclamar um direito ao qual não me inere demandar.
Eu fico só, então, só eu comigo mesmo, ou quem sabe nem isso. Quem sabe o muito é muito pouco? Quem sabe quando eu falo que quero tudo e quero agora, na verdade eu queira dizer que não quero nada em hora alguma? Eu queria você comigo, num abraço desapegado que reclamasse o corpo meu.

Um comentário:

Inaudita disse...
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