17 junho 2009

Peninha na Cabeça.


quando eu era criança, muitas foram as vezes em que, ao sentir algum odor desagradável, as famosas frases eram ouvidas: 'quem soltou um pum tá com uma peninha na cabeça.' ou 'quem soltou um pum tá com a mão amarela.'. muito ingenuamente, tendo soltado-o ou não, eu checava se algo de anormal se passava comigo ou não. era um tal de olhar para a mão ou coçar a cabeça, sem fim. e claro, logo eu era taxado de 'peidorreiro'. alguns anos depois eu vim a entender o mecanismo de 'coerção' das duas falas, que nada mais eram, do que uma maneira de obrigar o flatulento a fazer prova conta si mesmo.

mas isso foi anos depois, voltemos alguns anos atrás. depois de um certo tempo sendo 'pego' em tal 'brincadeira' entendi, erroneamente, que era só eu não checar coisa alguma e sairia, sempre, ileso. se eu soltasse ou não um pum, bastaria que eu não me manifestasse, ou seja, era só eu não olhar a minha mão, ou coçar minha cabeça, e deixar que outro fizesse, então tudo ficava certo.

a questão, em si, não é bem nada disso, só descrevi como as coisas aconteciam; mas o porquê de, sendo culpado ou não, eu insistia em checar as 'anomalias'.

Para essa explicação, o melhor é tomarmos o exemplo da peninha, uma vez que ela tinha o 'poder' de aparecer ou desaparecer. na minha cabeça, imaginariamente, a pena era uma entidade arbitrária e ela se colocava sobre o indivíduo que quisesse, sem a menor consideração. psicanaliticamente falando, a peninha, como representante de uma certa justiça, ou mesmo da justiça, e serviu de paradigma em minha vida, assim dizendo, para a idéia da própria justiça. Essa, tal a pena, seria uma entidade arbitrária, brincalhona, que não escolhia indivíduo algum movida pelos fatos, e sim randomicamente, a seu bel-prazer.

ou seja, não importava verdadeiro culpado, apenas a escolha que a peninha fizesse e, para que soubéssemos se éramos culpados ou não, a única maneira era levando a mão à cabeça e checando se possuíamos ou não a bendita sobre nós.

por outo lado, mais alguns fatos podem se depreender dessa histórinha. sempre que checássemos a cabeça do outro, outros, olhando para ela, por não enxergarmos a peninha, nos sentiríamos culpados. somos capazes de lançar os olhos sobre os outros, mas nunca sobre nós, (a não ser na presença de espelhos, mas seria nossa imagem, nós mesmos?, mas isso é outra conversa.) o que nos obrigaria sempre ao uso de outro meio que não o olhar. além disso, se tocássemos nossas cabeças, estaríamos imediatamente nos acusando. o que restaria a fazer? esperar, apenas isso; esperar que alguém se culpasse antes de qualquer outro e, assim, solucionasse-se a questão.

em tempo, a justiça nada mais é que uma entidade arbitrária que se diz postar sobre o culpado, mas esse, só é fielmente encontrado se se dispuser a entregar-se, em todos os outros casos, são inocentes que se fazem apanhar ao procurarem, em si, algo que não possuem, a saber, a culpa. mas não seríamos todos culpados de alguma coisa, e, por isso, na constante busca da peninha em nossas cabeças?




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