A vida como ela é.
Sua contagem regressiva já tinha sido iniciada fazia um ano. Quando desse fato, ainda lhe restavam 3 anos, 11 meses e 28 dias. O fato em si é desimportante, mas ilustra a vida de Rodolfo. Acordou meio-dia como já era costume todos os Domingos sossegados. Pegou a odiosa revista semanal que ele recebia de graça, uma estratégia cheia de links e nomes falsos que lhe garantiu até então um ano da revista sem custo algum. Estava foliando-a quando sua mãe começou a lhe grasnar, não que ela fosse um ganso, mas como iriam sair pra almoçar com um parente que aniversariava, pontualidade era essencial. E ela cobrava até mesmo dele essa irritante pontualidade. Largou a revista de qualquer jeito e entrou no banheiro para tomar um banho. Levou consigo seu aparelho de MP3 e uma caixa de som. Tudo instalado, ligou o chuveiro, para esquentar, e sentou-se na privada para poder cagar e mijar como qualquer outra pessoa. Adolescente, transpirando hormônios, não se conteve, mesmo sabendo que estava tão atrasado, começou a se masturbar, lentamente. Sua namorada chegaria em uma semana. A alegria do menino se via pelo gozo que tinha ao pensar na menina, em como seria vê-la, como seria bom a transa deles. Pensava no belo corpo que “era” dele, nos seios de Bia, naquela bucetinha tão gostosa. E foi pensando, pensando e pensando. Até que sua mãe começou a esmurrar a porta. “Desse jeito você vai ficar, ouviu? Quer parar de se masturbar e entrar logo no banho, poxa, já disse que estamos atrasados e você insiste em atrasar ainda mais?” Ele nem sequer respondeu, talvez nem tenha escutado. Só ouvia os gemidos de Bia em sua fantasia. Até que gozou. Se limpou e entrou no banho. A música batia compulsivamente e ele cantarolava. Lavou-se todo, passou desodorante, colocou cuecas e o resto da roupa que separou depois de um trabalho genuinamente masculino, arrancou tudo da gaveta, pegou o que viu primeiro e vestiu e enfiou o resto do jeito que deu dentro da gaveta. Escovava os dentes quando sua mãe tornou a berra-lo. Era normal. Apenas o fato de que sabia que tinha menos de 4 anos de vida pela frente era o que o diferenciava do resto das pessoas "mais" normais. Entrou no carro e de cara já começou a tentar convencer sua mãe a deixa-lo dirigir. De que adiantava ter a permissão para dirigir com pais como aqueles? Seu pai estava trabalhando naquele dia, como sempre, mas isso não era motivo para comentário algum.
A estrada aquele dia estava tranqüila, foram indo sentido Rio de Janeiro pela Dutra. Até que chegaram numa placa que sinalizava a primeira entrada para Silveiras. Perguntou pra mãe se pegaria aquela, ela respondeu negativamente, falando que aquele desvio era muito esburacado e tal e mais. Na entrada que pegaram foi ele que reclamou da estrada “puta que pariu mãe, olha essa estrada, muito pior que a outra, quando eu vim com o vô da outra vez, aquele outro desvio estava muito melhor que essa merda aqui.”. A mãe não respondeu, só virou e mandou um olhar para ele que já dizia tudo, “quem está dirigindo aqui, hein?”.
Chegando na cidadezinha se perderam, como se perder numa cidade com menos de 5 mil habitantes? Isso ninguém sabia, mas eles se perderam. “Mãe, você tem certeza que sabe onde é a casa do Robertinho?” “Não sei Ro, mas pensa comigo, é um aniversário certo? Então, é só procurar uma concentração de carros né?”. A lógica da mãe sempre o matava de rir. Mas tudo bem, era domingo, pra que se preocupar com insignificâncias?
Finalmente acharam a tão esperada concentração de carros, depois de um longo percurso, claro, mas acharam. Foram entrando na casa, uma senhora casa, estilo colonial com tudo que tem direito, aquelas duas escadinhas na entrada que se encontram num patamar de frente pra porta e tal, janelões, um jardim imenso na frente, e como essas festas sempre são, um amontoado de pessoas conhecidas nas mesinhas que “ornavam” o jardim.
Fez as vezes de menino educado e cumprimentou todos, tomou a benção dos mais velhos, beijou as tias, primas, conhecidas, primas de primas... E foi procurar seus grupinhos de interação. Sim, ele era meio chato. Não interagia com todo mundo logo de cara, depois de algumas cervejas era o mais falante, mas no comecinho das coisas, sempre procurava algumas pessoas de sempre. Encontrou logo de cara um tio, muito doido, que andava, agora, falando de uma tal criação de sacis que tinha . Isso mesmo, o tio contava para todo mundo que estava criando sacis. Segundo ele, o mercado estava com um déficit muito grande. E eles, os sacis, eram ótimos doadores de órgãos. Pena serem de criação tão complexa e demorada. Os transplantes de perna eram um transtorno, pois sempre precisavam de dois sacis para fazer um par dessas, e como os sacis não têm perna direita, ele estava com uma nova tecnologia de modificação gênica para que os sacis nascessem com duas pernas. E ficaram nessas histórias.
Depois de beber muito, comer leitoa, frango ao molho pardo... Ele começou a conversar com uns primos sobre faculdade e tudo mais quando percebeu que já estava sentindo algumas dores. Ele fora diagnosticado com um tumor maligno no cérebro. Inoperável, intratável, além dos diversos outros in + substantivo + ável que os médicos falavam. Se revoltou com isso, chingou todo mundo e resolveu que não queria enfrentar porra alguma, só queria viver o resto de vida que ainda tinha.
Sempre que as dores vinham ele escolhia entre cheirar cocaína ou injetar heroína. E pronto. Suas dores passavam, ele ficava feliz. E esse era o ritmo de sua vida. Normal. Então, quando as dores vieram, ele simplesmente pediu licença aos primos e foi pro banheiro. Chegando lá sua madrinha perguntou se ele precisava de alguma coisa, se estava tudo certo. E para ele estava. Entrou no banheiro, fez suas 8 carreirinhas de sempre em cima da pia e com um canudinho próprio, de marfim, que ganhara de seu avô para esse fim, começou a cheirar as minhoquinhas de pó. Sua madrinha continuava na porta falando com ele. “Mas Ro, que que foi que aconteceu pra você querer desistir de nossa viagem pra Grécia?” “Ah... madrinha, você sabe como é né? Eu quase nunca vejo a Bia agora que ela começou a fazer Direito, então nem rola eu ficar longe dela.” “Ro, não seja cretino, eu já não te disse pra leva-la conosco?” “Disse, mas sei lá, não vai ficar foda pra você?” “Puta que o pariu, se eu disse pra levar é porque dá pra levar, que merda, porque que você tem que complicar tanto essas coisas tão fáceis?” Nesse meio tempo ele inalou mais uma carreirinha. Sua avó ia passando quando a madrinha a gritou. “Cecília, venha cá, você não quer falar presse imprestável do seu neto parar de ser fresco e levar logo a namorada pra Grécia conosco?” “Ai Ro, você é enrolado mesmo hein? A Leila aqui insistindo pra vocês fazerem a viagem e você de cu-doce desse jeito?”. Mas uma carreira se ia até ele poder dar a resposta. “Vó, não é cu-doce não, é que sei lá né? Eu já dou tanto trabalho pra vocês e ainda querem que dê mais um com essa viagem?” “Que trabalho que você dá, amor? Acho que você é o doente menos trabalhoso que a gente já viu.” “Ahhh vó, deixa disso, eu já soube que ontem quando a senhora foi comprar minha cocaína teve o maior rolo. Tiveram até que chamar o Tio Lelo pra tirarem você da cadeia. Hauahauahauahauahauahua. Mais foi engraçado, minha vó acusado de tráfico por comprar pó pro neto morimbundo. Hauahauahauahau.” “Ah Ro, isso nem é trabalho pra gente, você sabe muito bem. É até engraçado não é não Leila?” “Ixe Ro, tem vezes que eu até queria que você fosse mais fresco. Bem que qualquer dia desses você podia querer heroína de uma plantação de papoula zen-budista e me fazer ir até a China pra isso, que tal?” “Puta que o pariu hein? Nem falando sério vocês conseguem parar de me zuar né? Mas tá certo, a gente embarca semana que vem então. E eu aproveito no meio da viagem pra querer visitar a China, que tal?” “Hauahauahauahau, esse é meu afilhado!”.
Depois da conversa no banheiro voltaram todos para a festa, era a hora do parabéns. Sua Mãe chegou perto e falou, “Porra filho, limpa esse nariz direito né? Tá cheio de pó, não quer que batam aqui prendendo mais gente por tráfico quer?”.
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