Seus olhinhos piscaram e ela mal entendia o que se passava. Friiiiio. Em suas mãos pulsava todo um amor que lhe prometera um certo alguém. Ela olhava seguramente para algum lugar que possivelmente não deveria sequer existir. Talvez aquela menina nem existisse. Se fosse uma menina. Se fosse uma humana. Se fosse algo. Olhei-a bem fundo nos olhos e mergulhei numa tormenta azul insustentável. Me afogava e ela não fazia nada para me ajudar. Olhei de fora de seus olhos marítimos e não me enxerguei. Onde eu estava?
Um prato. Em um prato, perguntaram-me certa vez, é capaz de coexistir um grande amor. Eu não soube responder na época. Hoje sei que o amor é algo pequeno. E que qualquer compartimento no qual caiba um coração, nele também cabe o amor. Não que o coração seja mesmo a morada do tal sentimento. Mas nos impuserem que amamos com o coração, que nosso coração sente os nossos sentimentos.
Puxou pra trás seu boázinho de pele e pude ver em seu pescoço um marca de amor. Uma roxidão que só confirmava que ela era capaz de se fazer amar selvagemente. Amei-a barbaramente, ela nem se deu ao trabalho de corresponder. Dei-lhe meu coração, que agora, de dentro de seus olhos, sou capaz de ver sendo devorado pela boca que um dia eu já beijei. Sequer tive a sorte de suspirar. Estava ali, esparramado pelo chão, enquanto ela observava de boca cheia. Sangue. Que que é o sangue? Vida, que que é a vida? Que sou eu sem ela? Ela está lá, me devorando aos poucos, mas se faz isso é porque lhe pedi.
Friiiio. Estávamos presos eu e ela dentro de onde nem sei. Presos. Não tínhamos água, nem comida, só tínhamos a nós mesmos. Ela me abraçava forte. Eu segurava sua mão e dizia para ter calma, que nada poderia nos acontecer. Nosso amor era grande demais para nos permitir morrer. Friiiio. Abracei-a mais forte ainda. Ela dizia que eu a sufocava, mas se o fazia, era por tanto amor. Agora ela dizia que eu a deixava muito frouxa. Não entendia sequer as palavras que ela elaborava com tanta destreza sintática. Quanto tempo seríamos capazes de agüentar aquele frio?
Não agüentávamos mais de fome, de sede, mas ainda nos amávamos. Era o que importava, eu dizia a ela; ela concordava com a cabeça, mas em seus olhos, eu via uma reprimenda famigeradamente faminta. Seus olhos me devoravam, mas não metaforicamente. Ela literalmente queria me comer.
Amor, se formos morrer hoje, serei o cara mais feliz do mundo, pois morrei com você como eu sempre quis. Ela não respondia, mas eu via que para ela, não era bem assim. Virei para o lado e dormi. Queria simplesmente poder pensar que quando eu acordasse estaríamos a salvo. Acordei com uma pequena dor nos dedos. Que dedos? Ao olhar minhas mãos não fui capaz de enxergar prolongamento algum. Gritei de dor ao ver que estava sem meus dedos. Procurei-a com o olhar, cabeça baixa, mastigava algo. Ao se levantar pude ver em seu rosto muito sangue, e no canto de sua boca, uma unha. Entendi tudo e consenti. Ela foi me devorando. Ela sempre tivera feito isso. Nosso amor mais do que um mutualismo, era um parasitismo por parte dela. Se eu iria morrer mesmo, que fosse sendo digerido em seu estômago. Beijei seus lábios e senti meu gosto neles.
Sentei-me bem ereto e fui lhe dando de comer. Sua fome era selvagem. Comeu meus dedos para só depois pedir mãos e pés. Pedi-lhe apenas que deixasse a cabeça e o coração para o fim. Queria ver meu fim. Dei-lhe minhas pernas. E ela ia mascando minha carne feito chiclete. Sorvia meu sangue aos borbotões, e se lambuzava toda, verdadeira ébria tomando os últimos copos de vinho antes do gorfo. Seus olhos vidrados em meu corpo. Nunca me senti tão desejado em toda minha vida. Meu pinto e colhões não foi difícil de serem vistos comidos. Ela sempre tivera sua boca neles. Eu era só resíduos de um passado ser humano. Pedi que me comesse os lábios. Sugasse meu nariz. Implorei a ela que comesse também o meu cabelo. Ela ia me devorando. Era devastadora a sensação que ela ia me causando. Era o clímax da minha vida. O Auge. E tinha de ser bem daquele jeito?
Ela perguntou se eu queria cocaína, já que fora enchendo meu nariz dela, que ela conseguira arrancar meus dedos fora. Mas eu disse que não, que desde que tinha me visto sem os dedos, o efeito já havia passado, e que a dor que sentia era muito boa. Dor de quem se sente consumido pelo maior amor do mundo. Um amor que transcendia o espírito-carnal. Mas não era místico, nem animalesco. Era ser comido por aquela que eu sempre quis que me comesse todo. Ela arrancou meu coração e pôs num prato. O amor cabe num prato? Cabia, e caberia em lugar ainda menor, num ânus que o cuspiria depois. A última coisa que vi foram seus olhos. E fiquei neles, flutuando, e flutuando, e boiando. Num mar do amor sem fim.
25 abril 2007
O dia em que o amor me consumiu.
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Um comentário:
apaixonante.
saudades imensas.
beijo.
meu muso.
;**
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