11 dezembro 2008

Semente de Uvaia











Cinco horas da manhã e eu sei absolutamente o que eu quero. Quero aquele arrepio na nuca que me faz lembrar que aqui por perto, quando estou sozinho, seus olhos me seguem. Aquele ter todos os pelos levantados num incômodo sobrepujar da minha pele. Cada folículo em espasmo, cada partícula epidérmica lutando, à flor-da-pele, pra sentir um novo toque seu. Seu olhar de longe que me queima e petrifica. Eu quero aquele beijo seu que suga meu sangue pela boca, amolece todos os meus dentes e leva embora o movimento do coração. Eu só quero você. Que penetre fundo na alma cada vez que me cantar com a voz doce, em meus ouvidos, e num sussurro lingual mude minha sintonia. Sua pele quente em contanto com a minha fria, o chiado que o oximoro produz em nosso encontro. Eu quero a umidade chuvosa que você é da mesma forma que, e eu sei que sim, você me quer um domingo nevoso. Você me quer seu homem e eu sei que quer, quer meu corpo enlaçando o seu, minha alma convergindo em sua. Você quer meus olhos lunares que te esfriam, da mesma forma que quero os seus solares que erupcionam o meu sangue. Eu quero que a gente se ame até o parar de bater do coração. Você quer sentir meu pêlo ereto roçando pelo desnudamento do seu corpo. Eu quero sentir dedos macios sentenciando cada milímetro da minha face. Eu quero esse torço nu, e toda a brancura que vêm com ele.
Mudo de posição, não consigo parar de pensar em cada pedaço seu que eu quero. Acendo um cigarro e fumo bem lentamente. O roupão que eu uso só me faz perceber que não estou pelado por pouco. Tiro os óculos pra repousar, não sei se a vista, ou eles mesmos, sobre a banqueta que aqui me enxerga. Com suas pernas finas eu penso nas tuas, com seu comprimento estático eu penso no teu. Levanto e começo a digitar de pé. A chuva lá fora, eu toco, e penso que o que me molha também deve molhar você, e estar numa mesma, efêmera, condição me faz bem. Engulo a chuva que o meu céu da boca derrama toda vez que penso. Não quero mais pensar. Abro bem as janelas, as escancaro. Começo ver toda minha casa salpicada por um choro que talvez devesse ser o meu. Seguro uma cintura imaginária com uma mão enquanto a outra digita em fúria cada palavra que eu queria que fossem colhidas por uma tela ocular. Danço uma valsa que você escreveu para mim. Danço uma valsa com você que é só imagem. A fumaça que queima a minha garganta é o fantasma de tua língua, a pêra que consumo em meus lábios são os lábios teus. Estou de pé dançando com uma idéia que nem sequer sei se condiz, uma representação que não representa nada. Em minha cabeça a negação da negação.
Não agüento mais ficar pensando, saio pela rua. Aqui onde moro as ruas são largas, mas isso não deve dizer nada para você. Os reflexos que eu vejo em cada gotícula aquosa que caí é de uma lua que se escondeu, feito o amor que agarra fundo no peito e que sequer se deixa transparecer. Meus pés maltratam as calçadas e pisam fundo, cada vez mais fundo. Eu me lembro das calças amarelas. Do tiro que eu daria mais a pouco em minha cabeça pra tirar o pensamento que não saía de você. De quantos em quantos eu me angustiava mais e mais. A promessa que me fizera em silêncio só eu percebera. Ando pelas ruas, desisto das calçadas, o eco que meus passos faziam até a pouco só pareciam querer me lembrar que estava só, na chuva, ouvindo nada mais a não ser eles. Meu nariz começa a escorrer e percebo que não é gripe. Sinto o gosto doce do sangue que as veias estouradas faziam jorrar. Meu nariz não era mais nada, virou só pó. Escuto passos que não são meus e que nem ao menos parecem anunciar a presença de alguém. Pego de abrigo uma marquise de loja velha, pelo vidro da vidraça eu vejo o gelado da minha própria presença e me toco. Sou liso, frio e ao mesmo tempo borbulhante. Os onibus começam a passar o que me deixa feliz, as pessoas que dentro deles passam se beijam sem se saberem. Vejo uma casal manso que se agarra selvagem. Dois idosos de mãos dadas a um mesmo guarda-chuva que só guarda lembranças emboloradas. O meu embotamento é todo seu, a minha fé também. Um raio ilumina a rua escura e me faz lembrar que não existe para-raio para o que vem de dentro. E minha paraplegia cerebral é miraculosamente curada por algum pastor que grita em plena madrugada as verdades de um amor que sequer existe. Amor? Amor é casa limpa e as contas pagas. Amar é encontrar em alguém aquilo que não somos capazes de encontrar em nós mesmos.
Beijo tua boca de mentira e sinto seu corpo ausente. Pelas ruas eu sei que não existo, não sou pessoa, sou transeunte. Transeunte em transe alcaloidico. Sento sob a marquise e durmo abraço com o casaco de pele de vison que eu vejo através do vidro. As pessoas que passam por mim me atiram vis metais, não entendo o porquê. Só o que eu mendigo é um abraço seu, é sentir o nosso oximoro outra vez. O telefone toca, estou em casa ainda, atendo. Não saíra por um só instante do mesmo lugar, mas fizera uma viagem através de você. Do outro lado escuto sua voz que diz que me ama. Também te amo, durmo feliz.

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